Como é o trabalho da Psicanálise com os surdos sinalizantes?

Como é o trabalho da Psicanálise com os surdos sinalizantes?

Sofia Nery Lieber

A psicóloga/psicanalista Sofia, parte do time do Adhara desde janeiro de 2018, fez da sua inquietude frente as diferenças na maneira de se comunicar do sujeito surdo seu maior desafio. Como perceber atos falhos e jogo de palavras, desenvolver mecanismos para que as crianças e adolescentes trabalhem seus desejos, além de perceber de que maneira o inconsciente se manifesta neste público?

A resposta a estas perguntas: a escuta.

“Trabalho com a premissa de que ouvir é diferente de escutar”, enfatiza. Para a psicalista, ouvir é perceber os sons de forma acústica, uma função do órgão biológico ouvido. Já o escutar é uma função psíquica: é estar curioso pelo discurso do outro. É dar ao som, à voz e, claro!, ao sinal da Língua Brasileira de Sinais, um lugar simbólico. É perceber o que está subentendido no que está sendo dito. Escutar é estar atento ao que o dizem essas crianças e adolescentes e decidir o que fazer com relação ao que se percebe.

Sua experiência no Adhara revelou que é possível escutar com o corpo todo – e os surdos fazem isso. O que os diferenciam é o uso diverso de vias de apreensão do mundo, geralmente a visual. Entre outras coisas, a fala, os gestos, os olhares, os movimentos corporais, os sinais e os risos dos adultos que cuidam, e que interagem com eles, não se restringem ao registro sonoro. E carregam, assim como a língua oral, equívocos, ambiguidades e mal-entendidos, como toda prática de linguagem.

A surdez é um campo instigante. É bastante comum as pessoas pensarem que ela é uma deficiência simples, talvez por não deixar marcas aparentes e visíveis no corpo como outras deficiências.

“Há também muitos debates calorosos acerca da saúde, da educação e do campo social no que se refere aos surdos. Por que a surdez é vista negativamente para a maioria das pessoas, sendo que há os que a encarem apenas como uma condição específica, mas não necessariamente ruim? A surdez é um problema para o surdo? E por aí vão as indagações”, ressalta Sofia.

Surdos e ouvintes que usam e valorizam a língua de sinais têm uma postura positiva diante da surdez – e de si mesmos. Para quem não ouve e nunca ouviu, entender a surdez como um problema é reflexo da dificuldade do mundo ouvinte em aceitar as diferenças e conviver com a diversidade em diversos níveis, em lidar com o diferente e, portanto, com o desconhecido. É resultado do anseio e da tendência de querer assegurar um ideal universal do que é e de como deve se comportar o ser humano.

Ainda que na ausência de audição e, muitas vezes, de oralidade, o processo de constituição subjetiva do surdo depende muito mais da qualidade das interações – e das interpretações dos adultos às manifestações do bebê e da criança surda, do que da quantidade de restos auditivos que ele possa ter.

“No Adhara, tenho escutado das nossas crianças e adolescentes atendidas pelo Instituto como é a experiência de ser surdo, de ter que lidar com uma maioria ouvinte para, entre outras questões, lhes dar voz para que possam mudar de posição e encontrarem outras significações para suas questões”, finaliza.

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